terça-feira, setembro 27, 2005
I Parte
Chego em casa e
Encontro-me sozinha
Em plena escuridão.
As luzes – ainda que difusas –
Vêm da rua,
De uma janela vizinha, talvez,
Talvez de um poste de iluminação.
Penso em coisas desconexas
Minhas palavras não fazem sentido
Talvez nunca farão.
O beijo que a muito se foi
Os abraços de que nem me lembro mais
As lembranças das quais jamais esquecerei...
Tudo isto faz-me lembrar de você
Com saudosismo, sim;
Porém sem o fogo de outrora.
Sinto falta do fogo
Não necessariamente a lenha que me fez arder
Sinto falta do oxigênio,
Dos ares respirados naqueles tempos.
Não quero reavê-los
E sim revive-los
Com outras personagens
Outros lugares
Outros olhares...
Lembro-me de você novamente
Agora um pouco mais confusa
Sobre como agir ou esperar
Encontro-me mais pragmática
Menos apaixonada
Mais confiante em mim
E menos feliz no que me tornei.
A inocência é bela
Mas tem prazo de validade
Depois,
Transforma-se em imaturidade
Rançosa, cercada de dogmas, preceitos, limites
Dos quais não quero mais abraçar como causa.
São vícios,
Típicos dos que não conseguem
Ou não sabem crescer...
- Também ninguém falou que o era -
Pelo menos, não deixou de ser – ainda –
Uma experiência – no mínimo – interessante e
Às vezes, até inusitada.
Por mais reveses que nos dá a vida
Por mais desesperançosa que me encontre hoje
E por mais temerosa que esteja sobre o futuro
Ainda dou-me ao direito
De ter pequenos prazeres e devaneios
Mesmo que por frações de segundos
Tropeço novamente na realidade
O tombo – agora – parece-me maior.
Receio pela saúde de uns,
Por seus futuros,
Por meu futuro sem o futuro deles...
Já os de outros,
Não me interessa os futuros que possam ter
Destes,
O passado já se encarregou de dar-lhes fim.
II Parte
Hoje,
Outro repousa sobre meus lábios
Porém de maneira diferente
Daquela que um dia você repousara.
Minh´ alma irradia
Mas não da mesma forma
O espírito já não arde como antes
E o corpo não mais receia de alguns estímulos...
Estou ciente das mudanças
Das que foram
E das que estão por vir
Desejo-as obstinadamente
E tenho uma certeza inconsciente
De que em breve ocorrerão,
Independente de minha vontade.
Me faz recear e ansiar
Por este momento
Mais pelo que pode não acontecer
Do que ao contrário.
Que me faz não agir
Prisão esta que talvez
Eu mesma tenha me colocado
E que agora
Não consigo mais me libertar.
E acho que você faz parte desta mudança.
Gosto da idéia de vê-lo
Fazendo parte desta mudança.
Da primeira vez me apaixonei,
Da segunda, amei,
E da terceira construirei.
Mas não indestrutível.
Quero viver meu presente contínuo junto ao seu
Com muitas expectativas
Porém sem grandes certezas.
Quero aprender no presente
Para amadurecer no futuro
E relembrar o passado
Sem me arrepender do que não fiz
Sem remorsos
E mesmo, sem você.
É horrível pensar assim
Mas tenho o péssimo hábito
De achar que o destino dos amantes
É a separação.
Não pela falta de amor
Mas por amar demais
Talvez por uma certa possessividade
- De uma ou ambas as partes –
Ou pela completa repressão desta,
Por achar que esta possessividade
- Ainda que mínima –
É egoísta, pouco altruísta.
Amar não é estar bem com a pessoa amada
E sim, desejar o bem à pessoa amada.
Ainda que ela esteja fisicamente distante
E o meu corpo necessitar
Do corpo dela...
É mentira!
Estou me tornando uma pessoa egoísta
E espero que ela também
Cansei do meu altruísmo excessivo entre nós!
Cansei do espírito bondoso!
Também sou corpo
E alma...
Sandra Rocha
Jul/2000
domingo, setembro 25, 2005
Cotidiano
Nada como o silêncio para percebermos a sonoplastia do mundo em que vivemos. As dinâmicas, ritmos e diversidades; que esta nos propõe enquanto espectadores, atores e autores de nossa própria dramaturgia encenada diariamente neste palco chamado metrópole.
Compassada ou descompassadamente, vive-se. De estação em estação de metrô, ouvindo músicas de elevador – em elevadores – ou mesmo levando a vida na flauta... Os repentes da Praça da Sé, os ‘chorinhos do Benedito’ aos sábados, os gritos de ambulantes e feirantes em dias de feira e, até, as musiquinhas da companhia de gás. Buzinas, buzinas e mais buzinas...
Pássaros a piar, ainda um pouco antes do amanhecer. Carros indo e vindo. Crianças indo e vindo da escola. O mesmo ‘samba de uma nota só’ por parte dos maestros de nossa Cidade, Estado, País! A harmonia de alguns – poucos – lugares e a desarmonia de tantos outros.
O movimento da batuta do maestro mostra-nos os quatro pontos cardeais, as quatro regiões de São Paulo: Norte...Sul...Leste...Oeste. E sem nos esquecermos que, dentro deste movimento contínuo, passamos por um quinto ponto – às vezes esquecido ou só marginalizado: o Centro. Onde tudo começou: do nascimento da cidade – ou a estréia deste espetáculo chamado São Paulo de Piratininga – à deterioração da mesma – que não seja o fim da peça, mas sim o fim do primeiro ato!
Dia após dia, ano após ano seguimos dançando sob a mesma opereta: ora felizes e descansados, ora sonolentos e com os pés doendo. O fato é que, não podemos nos deixar sofrer tantas interferências das transmissões diárias. Afinal, isto nos impede de ouvir a sonoplastia do mundo e, às vezes, a única forma capaz de nos fazer voltar a ouvir; é o silêncio!
Sandra Rocha, arquiteta e cenógrafa.
Ago/2005
"Jornal da Praça" n°38 - set/2005